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A Árvore Girafa

Já faz mais de 50. Situado nos limites ocidentais da Grande Ilha, entre o mar manso da Costeira do Pirajubaé e as águas agitadas do Pequeno Córrego Grande, estende-se o extraordinário vale do Pantanal. Na ótica infantil, uma terra sem fim. Mar, córrego e pântano.


Paisagens úmidas que se infiltraram de forma definitiva em nossas almas absorventes. Porém, esta é, particularmente, uma lembrança de terra mais seca, uma história morro acima. Márcio e eu -longe do radar ocular de nossa mãe Antônia- adorávamos explorar as montanhas que se erguem, majestosas, do grande pântano. Foi lá, no topo do mundo, onde descobrimos a Árvore Girafa.

Nossas expedições expl


oratórias duravam dia inteiro, numa época em que moleques voltavam para ao final do dia. A cada expedição alargávamos o mundo conhecido. Havíamos descoberto que, seguindo uma picada e em determinada altura abandonando-a, se atravessássemos um campo, chegávamos ao leito de um córrego. Esse córrego -imaginávamos- vinha do cume da montanha. Pronto! Havíamos descoberto o caminho para as Índias. Seguimos rio acima inúmeras vezes, pedras e cachoeiras já nos eram familiares. Dos dois lados do riacho, vegetação formada por árvores cobria o leito de sombras. Ver cágados não era raridade. Sempre em frente, chegávamos à nascente do rio, em volta da qual havia pequena floresta. Embora muito longe e muito acima de onde morávamos, ali não era a parte mais alta da montanha. Além da floresta estendia-se um capinzal fechado, arbustos retorcidos e espinhos. Eram intimidadores para nossas intenções primaveris. Por muito tempo esta floresta foi o limite superior de nosso planeta. Até o dia em que decidimos avançar. Mas essa é uma outra história.

Na floresta em torno da nascente, construíamos barracas com galhos e folhas, limpávamos o terreno, fazíamos fogueiras. Foi nela que descobrimos uma nova espécie arbórea. Tronco cilíndrico, altura elevada, cor bege amarelo, manchas marrons. Em nossa taxonomia infantil ficou conhecida como Árvore Girafa. Ao chegarmos, por detrás das grande pedras do córrego, avistávamos os pescoços longilíneos destacando-se na vegetação.

Se árvores se petrificam -espécie de mutação orgânico-mineral- porque animais não poderiam se arborizar? Isso é plausível, não apenas para teorias infanto-científicas, mas poderia -ao que parece- encontrar guarida no raciocínio negacionista tão em voga hoje em dia.

Cinquenta anos depois, não voltei a ver outros indivíduos da família dessa árvore. O córrego não existe mais, foi canalizado. A montanha -não tão alta quanto parecia- foi loteada e construções ergueram-se. Girafas do reino vegetal não vivem mais lá. Por onde "andam"?

Se é que ainda andam por algum lugar.

Gelcy Torquato


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